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O “TAL ROQUE ENROW” DA PRIMEIRA GUITARRISTA DO BRASIL

Dona de uma vida marcante, a guitarrista, cantora e compositora é o exemplo de uma trajetória de sucesso na indústria musical

Sabrina Confortini



No momento em que dei o primeiro google sobre essa artista, uma mesma frase presente em todos os conteúdos me fez brilhar os olhos. Na verdade, é mais do que uma frase, é um título: a primeira mulher guitarrista do Brasil.


Foi automático pensar no peso desse título e o quanto ele é significativo. Porém, quando abordo essa questão e a pergunto como se sente com isso, ela simplesmente me responde: “Não sinto nada. Nada, porque a música é a coisa mais importante”


A primeira mulher guitarrista do Brasil – e que não se importa muito com esse rótulo – é uma taurina com ascendência em virgem, que com o seu grande amor pela música criou uma carreira de fazer inveja. Ela é, nada mais, nada menos, do que Lucinha Turnbull.



“Minha mãe dizia que eu chorava quando ouvia os discos de gaita de fole quando era pequena”

Foi lançado em 2020 o documentário “Lucinha Turnbull”, produzido pela UOL



A minha conversa com a Lucinha aconteceu através de uma chamada de vídeo pelo WhatsApp enquanto ela apoiava seu celular na cozinha de sua casa em São Paulo, capital. Mesmo há 125 quilômetros uma da outra, a sua história consegue ultrapassar qualquer distância.


Influência musical & Início de carreira


Filha de um escocês com uma paulista, Lúcia Maria Turnbull, de 69 anos, desde muito pequena é apaixonada por música. Isso graças a grande influência familiar, já que em sua casa ouvia-se de tudo: música brasileira, italiana e até francesa. Mas a sua principal referência mesmo veio dos Beatles.


“Eu ouvi os Beatles na rádio e fiquei meio paralisada. Então, meu irmão falou: ‘é um conjunto novo, tem LP deles’ e eu disse: ‘eu quero’. Não sabia se eram bonitos ou feios, eu amei o som. Eu queria aquele som, eu queria aquilo. E aí pronto, era o dia inteiro ouvindo. Coitada da minha mãe”, ri Lucinha.


Mas foi com seus 16 anos, enquanto morava em Londres, que a relação com a música começou a se tornar profissional. Na atual terra do rei, ela foi convidada para participar de um grupo de música folk chamado “Solid British Hat Band”, sendo um dos membros o seu professor na escola onde estudava inglês.


“Tinham músicas com temas que eu era até criança para entender. Já se falava sobre meio ambiente, falava para as pessoas terem liberdade de fazerem o que quisessem...Então foi bem legal, minha primeira experiência foi essa”.



A partir desse princípio a sua relação com a guitarra também ganhou forma. De volta ao Brasil nos anos 70, se correspondeu com a banda de rock “Os Mutantes”, formada na época por Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e Rita Lee. Ao se tornarem amigos, Lucinha acompanhou diversos shows da banda e acabava tocando guitarra junto de Sérgio, que segundo ela, a ensinou algumas coisas e sempre a desafiava. Em 1972 subiu aos palcos no Teatro Oficina realizando o show de abertura dos Mutantes e, durante esse período, tocou em uma peça dirigida no mesmo teatro.


Até esse momento, a guitarra era emprestada de um amigo. Mas isso mudou em uma viagem para Londres junto de Rita, Liminha e Leila Lisboa, quando o próprio Liminha a ajudou a escolher sua primeira guitarra. Depois disso, um acontecimento puxou o outro.


“As coisas foram acontecendo naturalmente, não foi algo planejado. Eu nunca tive aquilo de ‘Ah, vou tocar que nem os meninos’, eu sempre gostei de música. Então foi uma atração fatal, amor, né? Eu queria tocar e toquei”, conclui a guitarrista.



Amizade do pop? Não, amizade do Rock


Nessa amizade com a lendária Rita Lee surgiu uma parceria extremamente talentosa que durou alguns anos e trouxe muita música boa. Após Rita sair dos Mutantes em outubro de 1972, ela convidou a Lucinha para formarem a dupla “As Cilibrinas do Éden”. Elas, que foram responsáveis pelas músicas ‘Bad Trip’ e ‘Gente Fina É Outra Coisa’, fizeram apenas uma apresentação para o festival Phono 73. Neste dia, a dupla abriu o show para Os Mutantes, antiga banda de Rita. Para Lucinha foi uma experiência boa.



“Foi legal, ela ensaiou algumas músicas que tinha feito. Ela tocava violão de seis cordas e eu violão de doze. Teve apenas uma apresentação (risos) e tem o áudio dela no Youtube. É muita coragem você abrir para Os Mutantes, né? Eles tinham teclado, baixo, bateria, tinham sido a banda dela e tudo..., mas foi bom”.


Lucinha Turnbull e Rita Lee no Phono 73 / reprodução: UOL


Há quem diga que a dupla foi o ‘embrião para o que viria a seguir’: o fenômeno “Tutti Frutti”. Pois depois das Cilibrinas, Rita Lee se integrou a banda de rock e também convidou Lucinha para fazer parte. O Tutti Frutti é marcado pelos sucessos ‘Agora só falta você’, ‘Mamãe Natureza’ e ‘Esse Tal de Roque Enrow’. O último, em especial, é dedicado à relação de Lucinha com a sua mãe. A guitarrista ficou na banda até meados de 1975 e conta que foi uma fase muito prazerosa e divertida.




Lucinha além das guitarras


No mesmo ano em que deixou o Tutti Frutti, Lucinha já realizava vários outros trabalhos, como gravar jingles e vocais em estúdio. E entre esses trabalhos, teve o mais diferente de todos na sua carreira: ser a atriz principal de uma peça de teatro.


“Em 75 mesmo a Ana Braga, mãe da Alice Braga, era a atriz principal dessa peça. Eu virei a ver os ensaios e a Aninha teve uma faringite, sendo que a peça tinha que estrear. E eles me chamaram, eu que nunca tinha sido atriz nem nada. Teve uns três meses de temporada, eu acho”.


No ano seguinte montou o trio “Bandolim” com o compositor e cantor Péricles Cavalcante e o contrabaixista Rodolfo Stroeter. O trio cantava músicas próprias, versões de Rolling Stones e até Luiz Gonzaga. Como ela mesma contou “era uma salada”.


Durante toda a sua trajetória, Lucinha somou diferentes tipos de trabalhos e parcerias, o que a trouxe uma conceituada bagagem. Ela gravou com Caetano Veloso nos vocais do disco “Cinema Transcendental” e trabalhou com Moraes Moreira em “Lá vem o Brasil descendo a ladeira”. Além de participar de coros para televisão, sendo o maior exemplo no programa ‘Casseta & Planeta, Urgente!’ em ‘Organizações Tabajara’ – aposto que essa, quem conhece, leu cantando. Fora seus trabalhos como interprete, tradutora de artistas e até mesmo babá.


“E era criticada ‘mas você?’, ‘ué, é você quem vai pagar minhas contas?’. Não é fácil pagar as contas como músico o tempo todo, nem sempre”, reflete.


Rio de Janeiro, 1987 – foto por: Sonia Bessa / reprodução: mídia social pessoal de Lucinha



Parceria com Gilberto Gil e o surgimento do seu disco solo


Após o seu trio em 1976, Lucinha se encantou com a ideia de ir embora para a Escócia morar em uma comunidade que somava natureza com música – tudo o que um jovem alternativo da época queria. Mas antes de partir para a Europa ela decidiu que precisava conhecer o carnaval da Bahia.


“Eu ia embora do Brasil, para uma comunidade na Escócia. Mas falei: ‘não, vou para a Bahia conhecer o carnaval antes de ir embora’. Fui então me hospedar na casa dos Novos Baianos e sai no trio deles tocando percussão – quase morri. Aí o Gil me chamou para ir na casa dele. ‘Quando você voltar para São Paulo passe no Rio’, insistiu. E quando eu vi, fui. Não fui embora mais para a Escócia”.


Foi assim que Gilberto Gil acabou com os seus planos iniciais e juntos começaram uma parceria de muito trabalho. Cerca de 100 shows foram realizados apenas em 1977.


Gil e Lucinha no show Refavela em 1977 / reprodução: mídia social oficial de Lucinha Turnbull


“Eu sou muito detalhista. Taurina, né? Touro tem um lado bem musical. E tenho ascendência em virgem, que é muito detalhista. Então eu sempre prestei muita atenção nos instrumentos”

Em 1980 Lucinha também teve a experiência do seu primeiro e único disco solo, chamado “Aroma”. Uma das faixas do disco conta com o mesmo nome. Lucinha diz que foi um projeto bem desafiador.


“Foi legal e assustador em um momento. Porque estúdio é outra linguagem, você usa o microfone de outro jeito, não pode fazer assim que a voz sai, se quiser virar a cabeça tem que fazer de tal forma, e é complicado porque tudo aparece muito. Nas minhas primeiras três horas eu entrei em pânico, achei que tinha errado de profissão (risos). Mas depois deu tudo certo”, aponta.




Lugar de mulher é com uma guitarra na mão


Foi realizado em 2018 pela Fender, um dos maiores fabricantes de instrumentos do mundo, uma pesquisa que demonstrou que há mais mulheres se tornando guitarristas. Cerca de 50% dos compradores de guitarra, até o momento da pesquisa, são do sexo feminino.


Um sinal muito positivo perto de como era a realidade de Lucinha quando começou a tocar guitarra, pois o instrumento ainda era uma novidade. Ela comenta que na época os meninos tentavam comprar suas coisas como se ela não entendesse de música.


“‘Pô, vende sua guitarra para mim’ e eu: ‘Não, não, eu gosto da minha guitarra’. Sempre tinha essa coisa de ‘para uma menina ela até que toca bem’. É eterno isso, até tem coisas que acontecem ainda que eu acho que estou ficando, não feminista radical, mas bem irritada com algumas coisas que ouço”.


Para as meninas que gostariam de se tornar guitarristas, Lucinha tem um conselho. “O principal é: você tem que amar a música, respeitar a música. A coisa mais importante é você ter esse amor, não fazer para ficar ali na frente e ter mais oito bailarinas – o que é opção de algumas pessoas – mas acho que o sucesso é você ser feliz com a música. Não necessariamente ganhar muito dinheiro, pois isso é para poucos artistas”, completa Lucinha.


O seu projeto mais atual é o que vem realizando junto do músico Luiz Thunderbird, ex-VJ da MTV, intitulado de “Thunder & Turnbull”. Os dois tocam o que ela chama de ‘canções à beira da fogueira’, simplesmente cantando o que eles quiserem.


“Tem hora que eu solo, ele sola, e a gente se entende muito bem. Depois da Rita, é a pessoa com quem eu melhor canto. É uma dupla que ainda está no berço”.


“Tinha uma coisa chamada ‘Domingueira’ nos clubes, onde tinham bandas tocando ao vivo. E sempre que eu ia, com 13/14 anos, não ficava no baile. Eu ficava do lado da banda olhando e ouvindo o som do baixo e da guitarra”

Para finalizar a entrevista com chave de ouro, Lucinha pega o seu violão e me enche de acalento por meio de uma palinha musical, feita ali mesmo em sua cozinha. A música autoral se chama “Me acalma” e não poderia ser outra para encerrar essa conversa tão especial com tanta leveza.


“Põe a mão na minha alma, me acalma

Me acalma

Teu calor vai me trazer de volta

Tanto tempo no escuro, tão frio e vazio

Abre a janela e deixa entrar o amor e o

Sol da manhã”



Venha ouvir o áudio completo do momento da entrevista em que Lucinha canta a música “Me Acalma” especialmente para a PLURAL!










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