top of page

Representatividade LGBTQIAP+ na literatura nacional

“O segredo de ser um bom escritor é você se sentir tocado com aquilo que você escreve, você tem que ser seu primeiro leitor e gostar daquilo que está produzindo”, descreve a escritora Clara Alves


Marina Lima


“A maioria dos meus livros vem do cotidiano, alguma série ou filme que eu assistia ou estou assistindo e me dá uma ideia e eu penso que isso se tornaria um livro legal. Meu primeiro livro surgiu assim”, esclarece Fonte: Clara Alves


A literatura LGBTQIAP+ existe desde séculos passados, mas até pouco tempo se passava despercebida, escondida e ignorada. Segundo o professor de Literatura, Mário Pontieri, o primeiro livro considerado de fato de uma literatura gay no Brasil foi “O bom crioulo”, de Adolfo Caminha, publicado em 1895, durante o movimento Naturalista. O livro conta a história de Amaro, um escravo que fugiu de seu Senhor e se apaixona por Aleixo, um jovem marinheiro, branco, de olhos azuis.



CASSANDRA RIOS


Livros com temática homoafetiva sempre estiveram presentes no mercado e na história da literatura nacional. Podendo citar a escritora Cassandra Rios que no ano de 1948, gerou um marco histórico nacional por ser a primeira autora brasileira a publicar um romance erótico voltado ao universo da homossexualidade feminina, com o livro “A Volúpia do Pecado”. Outro marco gerado pela autora foi, em 1970, tornando-se a primeira escritora brasileira a atingir a marca de um milhão de exemplares vendidos. Mas, durante o período da Ditadura Militar no Brasil, Cassandra teve 36 de seus 50 livros publicados, censurados.



VITOR MARTINS


No entanto, a ausência de divulgação dos livros envolvendo romance homoafetivo, fez com que novos autores começassem a escrever as vivências deles ou de pessoas próximas. Foi o que aconteceu com o escritor, ilustrador e tradutor, Vitor Martins, 31, “a escrita surgiu na minha vida num primeiro momento para tentar replicar as histórias que eu mais gostava e, mais tarde, como uma forma de expressar meus sentimentos e contar minhas próprias histórias”, afirma o escritor.

Além de “Quinze Dias”, Vitor Martins é autor de “Um milhão de finais felizes” e “Se a casa 8 falasse” Fonte: Vitor Martins


Vitor conta que a vontade de publicar seu primeiro livro, “Quinze dias”, em 2018, surgiu de um desejo de criar um protagonista que se parecesse fisicamente com ele e tivesse vivências parecidas com as que o autor teve. O livro trata a gordofobia que o protagonista Felipe sofre por colegas de escola e a insegurança que isso o gerou, e também fala sobre sua questão sexual, que apesar de não ser a realidade da maioria dos homossexuais, é uma questão bem resolvida entre ele e a sua mãe, que o aceitou tranquilamente.


Vitor conquistou o marco em ser o primeiro autor brasileiro LGBTQIAP+ publicado na Rússia e, seu livro de estreia, “Quinze Dias”, já chegou a ser publicado também em países como Estados Unidos e também ao Reino Unido.


Já a escritora e revisora Clara Alves, 29, comenta que sempre desejou ser escritora e que desde a infância, escrevia histórias de ficção, as quais envolviam ela e os seus colegas de escola. Já na adolescência, passou a escrever e publicar histórias independentes. “Eu entrei na Editora Record como estagiária de Imprensa e lá dentro acabei conseguindo uma vaga como Assistente Editorial, então dentro do meu estágio, ainda na faculdade de jornalismo, eu acabei migrando para a produção editorial”, conta Alves.


O primeiro livro que Clara publicou sem ser de forma independente foi “Conectadas”, em 2019 pela Editora Seguinte. Tendo sido o primeiro livro de romance sáfico nacional, ou seja, uma história de romance homoafetivo entre mulheres, publicado pela editora.


Ela conta que a história foi baseada em duas amigas que passaram por vivências semelhantes da protagonista e também retratou no livro a descoberta da sua sexualidade. “Essa história acabou virando muito pessoal pra mim porque mesmo que eu nunca tenha vivido uma história parecida com a delas, eu estava também no meu processo de me entender como mulher bissexual, então eu coloquei muito da minha vivência, dos meus medos e das minhas questões dentro ali das duas personagens”, relata.


Mário afirma que livros de vivências pessoais de LGBTQIAP+ é uma troca de experiência entre o leitor interessado nessas histórias e o escritor, principalmente pelo preconceito ainda muito existente contra esse público.



VIVÊNCIAS


As inúmeras vivências descritas em muitos outros livros além dos de Clara e Vitor ajudam diariamente adolescentes e jovens adultos que estão passando pelo momento de descoberta e entendimento da sexualidade. O estudante Luís Augusto Cestarioli, 18, conta que além dos produtos de audiovisual, o livro “1+1 A matemática do amor”, dos escritores Augusto Alvarenga e Vinícius Grosso, o ajudaram muito a entender sua bissexualidade, já que o livro retrata a parte emocional do relacionamento entre dois homens.


Já para Ana Beatriz Maciel, 17, a descoberta foi um momento conturbado e confuso, já que sempre ouviu na sua família que ser homossexual era “errado e nojento” e que manteve essa ideia por muito tempo. Apesar disso, Ana sempre soube que havia algo de “diferente” consigo mesma, mas que nunca se permitiu explorar aquele sentimento. “Eu o reprimia sempre que o sentimento aparecia, justamente pela criação que eu tive, mas conforme foram me apresentando conteúdos com representatividade LGBT+, fui me libertando, me descobrindo e me aceitando”, comenta Ana.


A estudante de Letras da Universidade de São Paulo (USP), Lara Castelli, 20, relata que os livros e os produtos de audiovisual que consumiu desde criança ajudaram ela a adentrar, pouco a pouco, na realidade de minorias, muito antes dela compreender que poderia ser parte delas. “Me assumi bissexual muito provavelmente não somente por ter me sentido amparada pelas pessoas em minha vida, como também pelos personagens que me acalentaram, desde Patrick de “As vantagens de ser invisível”, os contos de Caio Fernando de Abreu e até “Os Sete Maridos de Evelyn Hugo”, expõe Castelli.


Ana Beatriz defende que qualquer pessoa que esteja passando por esse momento de descoberta da sexualidade consuma produtos com representatividade LGBTQIAP+ para poder entender melhor os sentimentos que surgem diante do que está sendo representado. “Eu me descobri enquanto jogava um jogo em que a protagonista tem um interesse romântico feminino. Aquelas duas personagens foram ao mesmo tempo um balde de água fria e algo extremamente reconfortante pra mim. Eu finalmente entendi o porquê de, em todos os momentos em que me perguntavam quem era o meu ‘crush’ na escola, eu não saber responder”, descreve.


Mário esclarece de que apesar de ser um caminho longo e árduo, produtos de representatividade homossexual, principalmente livros, devem ser apresentados para pessoas também fora da bolha, ajudando para em um futuro próximo, eliminar o preconceito com essa minoria. “Acredito que a Literatura é um caminho para um mundo melhor para qualquer assunto e qualquer público possível no mundo, consequentemente, muito importante e talvez fundamental a esse público em relação a esse tema”, menciona o professor.

Tanto Conectadas quanto Romance Real foram livros escritos inspirados em vivências e cotidianos ou de pessoas próximas, familiares ou da própria autora Fonte: Clara Alves


MERCADO EDITORIAL


Junho é conhecido internacionalmente como o mês do orgulho LGBT, celebrado no dia 28. Todo o mês é utilizado para a luta por direitos dessa comunidade. Em junho de 2021, a editora Galera Record realizou vídeos ao vivo no YouTube sobre alguns assuntos da comunidade, como representatividade trans na literatura e também uma divulgação dos livros com protagonismo LGBT+ que lançaram no mês.


Alguns livros nacionais publicados na editora Record com a temática gay são: O amor não é óbvio, de Elayne Baeta, Viralizou de Juan Jullian e Igor Verde e O primeiro beijo de Romeu, de Felipe Cabral.


INFLUÊNCIA DAS REDES SOCIAIS


As redes sociais sempre estiveram influenciando no que os jovens leem. Clara Alves conta que quando adolescente, adorava ler histórias no WattPad e, depois de um tempo, percebeu que ali era uma possibilidade de escrever histórias de autoria dela.


Popularizado como “booktok”, a rede social que atingiu sua febre entre os jovens durante a pandemia da Covid-19, o “Tiktok”, influenciou ainda mais às pessoas a manterem uma rotina saudável de leitura.


Fonte: CNN Brasil


A rede social permite que qualquer usuário publique vídeos de até no máximo três minutos, então, os leitores passaram a acompanhar rápidas recomendações e resenhas de livros e a partir disso, decidir o início ou não daquela leitura. Hoje, o “booktok” possui mais de 18 bilhões de visualizações dentro da plataforma.


Fonte: NDmais




6 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page