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Cultura nipo-brasileira: o reflexo da história e a preservação da cultura japonesa

Atualizado: 25 de nov. de 2022

Como a história da migração japonesa no Brasil e a criação da comunidade japonesa no país se relaciona com o apagamento cultural

Jennifer Alexandre

Festa japonesa de Sorocaba na praça Kasato Maru em 2022


A história por trás da imigração japonesa no Brasil


No fim do século XIX o Brasil se tornou um dos mais importantes centros exportadores de café do mundo, o café substituiu a maior parte da produção de cana-de-açúcar e ganhou destaque na economia. Mas, a cafeicultura era pouco mecanizada e dependia da mão-de-obra escrava, entretanto na mesma época a Inglaterra liderava um movimento mundial de extinção do tráfico negreiro transatlântico, que desencadeou na criação da lei Lei Eusébio de Queirós em 1850 que repreendia o tráfico de africanos no Império. Posteriormente, a pressão britânica sobre o governo brasileiro fez com que a princesa Isabel enquanto regente do Brasil assinasse a Lei Áurea em 1888, que aboliu a escravidão definitivamente.


Mas, a imigração japonesa no Brasil começou somente 20 anos depois, em 1908, a partir da chegada do navio Kasato Maru.

De acordo com a dissertação “Dois povos e uma cultura – juntos na construção de um legado” de Alexandre Yamasaki Kawase, Membro da JCI Brasil-Japão, uma organização mundial sem fins lucrativos, após a Lei Áurea os fazendeiros passaram a recorrer aos trabalhadores livres, mas logo ficaram insatisfeitos com sua produtividade e viram os imigrantes como uma solução e na época algumas condições para a entrada de imigrantes no Brasil foram criadas. Surgiram pressões para considerar os japoneses como alternativa de mão de obra, mas a imigraçao só foi possível depois da abolição de um decreto que proibia a entrada de asiáticos no Brasil.

Assim, em 1907, o empreendedor Ryu Mizuno, leu um relatório sobre a condição da produção de café no Brasil e foi ele quem fretou o navio que trouxe em 1908, 783 imigrantes japoneses.

Também, de acordo com “Dois povos e uma cultura” até 1922 entraram no Brasil mais de 31 mil imigrantes japoneses, a partir de 1924 o Japão investiu nas companhias de emigração a fim de que eles pudessem adquirir terras no Brasil, foi neste período que as colônias japonesas passaram a ser criadas. Na Constituição Federal de 1934 o artigo 121 determinava que nenhuma corrente imigratória poderia exceder a cota de 2% sobre o número total de respectivos nacionais entrados no país nos últimos 50 anos, assim, a entrada dos japoneses foi diminuindo e parou em 1941, com a Segunda Guerra Mundial.

“No Japão tinha o mito de que você vinha para o Brasil e você enriquecia muito fácil. Meu avô me contava sobre a propaganda que era feita, ‘você vai vir para o Brasil e você vai tropeçar em ouro’, então por estarem tendo muitas dificuldades financeiras lá no Japão eles vieram para cá, o que foi ótimo pois estava acontecendo a Segunda Guerra Mundial”, afirma Akemi Mori. O avô de Sabrina Akemi Mori, estudante de letras na USP, veio para o Brasil nesse período pouco antes da imiração parar.

A migração é retomada em 1952, após a Segunda Guerra Mundial e, em 1955, o avô de Sandra Lie, estudante de arquitetura e urbanismo e associada da Nippon Sorocaba (antiga UCENS - União Cultural e Esportiva Nipo-brasileira de Sorocaba uma associação), chega ao Brasil. Os pais de Sandra se conheceram no Japão e ela nasceu lá em 1999, mas vem com 5 anos de idade para o Brasil. “Vim bem nova, para não sentir tanto as diferenças e conseguir me adaptar mais fácil, mas ainda assim foi um choque'', afirma.

Assim como grande parte dos imigrantes japoneses, os bisavós de Sandra vieram para o Brasil, para trabalhar com agricultura para conseguir uma vida melhor, pois o Japão ainda estava passando pela crise social desencadeada após o Japão ter perdido a Segunda Guerra. A família dela veio para o estado de São Paulo e atualmente a maior parte da família de Sandra mora no Brasil, principalmente os parentes maternos, mas ela também tem uma parte da família que reside no Japão e eles têm contato frequentemente.


Atualmente, de acordo com a embaixada do Japão, o Brasil abriga cerca de 2 milhões de nikkeis, japoneses, descendentes e pessoas com ascendência japonesa e possui a maior comunidade japonesa fora de seu país.Isso gera um reflexo na cultura japonesa praticada pelos descendentes e ascendentes desses imigrantes, ou seja, as pessoas que são filhos e filhas de descendentes japoneses, mas que nasceram no Brasil.

Sabrina nunca foi ao Japão, mas ganhou esse presente de um amigo quando ele voltou de uma viagem que fez para o país asiático


A cultura nipo-brasileira e a preservação das tradições


A cultura nipo-brasileira é fruto da vivência e da adaptação dos imigrantes morando por anos no Brasil. A cultura japonesa tentou manter todas as suas tradições no Brasil, mas com o passar dos anos está lidando com adaptações e perdas, se transformando.


“Quando eu falo em termos de cultura, é a ideia de tradição nos aspectos mais comuns da gente falar de cultura. Então religião, por exemplo, a gente não tem tanto contato com religiões de matriz asiática, mas ao mesmo tempo quando a gente pensa em lógicas, raciocínios, isso é bastante presente tanto na família do meu pai quanto da minha mãe, modo de pensar o mundo, eles são bem práticos e sem emoções”, Sabrina Mori declara sobre a preservação da cultura japonesa em sua família.


Nas religiões trazidas pelos japoneses, há destaque no budismo, que veio para o país no início do século XX, mas foi perseguido em virtude do preconceito com as religiões orientais e pela barreira linguística. Monges precisavam se vestir de agricultores para conseguirem entrar no país.


A barreira linguística também foi uma dificuldade para a Sandra Lie de 5 anos, Sandra teve algumas dificuldades em relação a sua adaptação no Brasil e, ela conta que foi muito difícil aprender a língua e fazer amigos, por não conhecer muito sobre o nosso país e também por não ter muitos assuntos em comum.


De acordo com a dissertação de Alexandre Yamasaki Kawase, quando os japoneses chegaram uma de suas preocupações era o risco de abrasileiramento de seus filhos e o desaparecimento das tradições, os nikkeis adotaram alguns costumes típicos do Brasil, mas sem deixar de lado os costumes dos antepassados.

“Eu tenho os costumes mantidos até hoje, como por exemplo, comer arroz japonês (gohan) e comidas típicas, comer de hashi, tirar os calçados antes de entrar em casa para não levar as energias externas para dentro. Consumo músicas, desenhos, arte no geral, é bem forte a tradição japonesa no meu dia a dia. São coisas que eu escolhi manter no meu dia a dia, mas convivo bem com as diferenças do Brasil também em relação a essas coisas”, declara Lie.

Refeição tradicional japonesa com chawans


A comunidade nipo-brasileira, pensando em manter suas tradições, passou a se esforçar para preservar a sua cultura, deixar um legado e não permitir que a cultura japonesa desapareça no Brasil. E esses esforços estão presentes nas vidas das famílias nipo-brasileiras principalmente, em relação à preservação dos valores. Como também, na manutenção da cultura, e a partir dessa necessidade de manutenção aconteceram a criação das associações nipo-brasileiras. As associações surgiram como espaços de lazer e de convivência entre as famílias, pois também com o choque cultural houve uma dificuldade de integração, assim nas associações os imigrantes passaram a fazer amigos, se casar, fazer negócios e manter as tradições.

A Nippon Sorocaba é uma associação que surgiu em 1962, Sandra e sua família são associados e ela conta um pouco sobre como é na associação. “Eu vejo que é um local muito legal para trocar experiências e costumes, eu toco taiko pelo grupo da Nippon e é um lugar que eu me sinto muito em casa. Ver a minha avó também indo ao dokai, que é um festival de esporte, uma gincana entre famílias, ver ela participar e com pessoas idosas japonesas da idade dela é muito legal também”.


Sandra contínua, “eu participo do taiko e geralmente tem muitas festas que a Nippon organiza que seriam a Kasato Maru no meio do ano que a gente sempre faz e toca também, o Bon-Odori que também que é um festival de dança, tradicional japonês que também sempre participamos tanto a minha família quanto eu, nas apresentações e na organização também e é muito divertido. E o dokai que é uma gincana muito divertida, eu via muito no Japão quando eu estudava lá”.


“Quando a gente não tem um lugar que a gente possa fazer as coisas que a gente gosta e manter as nossas tradições, a gente acaba morrendo por dentro é isso que eu sinto, então eu acho que a Nippon ajuda bastante em fazer a cultura japonesa se manter”
Sandra Lie

O taiko engloba uma variedade de instrumentos japoneses de percussão.


Afinal, com esse esforço, a cultura tradicional japonesa conseguiu então se manter no Brasil?


Sabrina Akemi conta um pouco sobre como ela sente que a família dela perdeu alguns aspectos culturais, “a gente perdeu muito, eu acho que a gente perdeu muito e eu gostaria que a gente tivesse carregado um pouco mais, por exemplo, sobre as questões de folclore japonês, lendas e a mitologia que existe e tem todas as suas perspectivas e visões de mundo. Eu tive um pouco de acesso à questão da religião, religiosidade japonesa porque eu fiz aula, mas não porque eu herdei isso da minha família necessariamente”.


“Eu acho que esse esforço que eu tenho de ir atrás não é isolado a mim existe uma comunidade aqui muito intensa que tenta manter”
Sabrina Mori

Sandra tem 23 anos e acredita que a geração dela está se esforçando para manter as tradições, mas existe algumas dificuldades, “Eu vejo que o pessoal da minha idade tem mantido muito mais a cultura japonesa viva do que outras gerações, pela a questão dos animes, doramas e gastronomia também, só que em outros aspectos acaba meio que se perdendo algumas tradições as tradições mais antigas eu não consigo enxergar aqui no Brasil. A globalização influenciou muito em deixar algumas coisas muito mais populares e outras coisas praticamente sumiram E isso também está muito forte no Japão não só aqui no Brasil eu fui para lá em 2019 visitar os meus parentes e eu vi o quanto o pessoal jovem tem consumido muito mais coisas americanas”.


Sandra foi ao Japão pela última vez em 2019 e ela conta sobre uma tradição que não vê existir no Brasil, “era bem perto do ano novo, então o que eu percebi é que a maior parte dos Japoneses, não comemoram o Natal por causa da religião, a maior parte é budista e xintoísta. Mas eles vão ao templo antes da virada do ano compram um envelope e nesse envelope eles tiram uma sorte para saber como vai ser o ano, se as coisas vão bem ou não, e eles têm muito essa coisa mística”


“Esse tipo de coisa mais tradicional é uma das coisas que estão morrendo aos poucos”
Sandra Lie

Pessoas tirando a sorte no templo


Sabrina também fala sobre como a globalização afeta a preservação das tradições, “a gente tem que pensar que a globalização é uma questão que tem várias vertentes, nisso tem a questão do próprio Japão que é um país particular neste aspecto, porque ele perdeu a Segunda Guerra Mundial, enquanto os países na Europa você vê que eles não têm um certo nível de identidade, por ter um contexto diferente. A intervenção estadunidense no Japão foi muito forte, por exemplo, tem uma porcentagem absurda de palavras do idioma japonês que não são do japonês, a maioria das cores não existe em japonês só existe em inglês. Se perdeu também porque passou por um processo de catequização, tem essa questão do Japão, pois todos os países passaram pelo processo de globalização, mas o Japão teve o processo do pós guerra”.


Mas, Sabrina também relaciona o apagamento cultural japonês no Brasil à xenofobia e ao racismo, “tem a questão do próprio contexto japonês ser particular e tem o apagamento relacionado ao problema de xenofobia aqui no Brasil e aí entra de novo as questões raciais.” Sabrina me contou sobre as avós dela adotarem um novo nome para que seja mais fácil para as outras pessoas, ou seja, os brasileiros conseguirem chamar ela pelo nome.


“A questão do nosso nome, a gente sempre tem um nome brasileiro e um nome japonês teoricamente todo mundo tem nome composto, mas ninguém sabe que é composto”, Sabrina complementa.


Afinal, quem é Marta?


Confira o que Sabrina diz sobre essa história:



“A gente tem uma questão sobre minoria modelo”, Akemi Mori


De acordo com a dissertação de Alexandre, os japoneses chegaram ao Brasil em meio a um clima de preconceito, pois eram vistos como ameaça à política de branqueamento da população.


"Você nunca é japonesa suficiente e você não é brasileira o suficiente, e aí você vive num sistema de compensação e nessa questão da minoria modelo é muito difícil você perceber as micro violências. Pela maior parte da minha vida tentava me afastar até de tradições e da cultura japonesa porque senão por eu ter essa cara era muito fácil eu ser reduzida a isso, então tinha essa necessidade constante de ter que se provar pertencente ao seu país de origem”, discorre Sabrina sobre as micro violências implícitas nos estereótipos criados sobre as pessoas amarelas.


Minoria modelo é uma minoria demográfica, seja com base na etnia, raça ou religião em que os membros são percebidos como tendo um grau de sucesso socioeconômico mais alto do que a média da população, servindo assim como um grupo de referência para grupos sociais externos. No caso da comunidade japonesa algumas características foram associadas como: todos serem honestos, respeitosos, disciplinados, inteligentes e saudáveis.

Sabrina Akemi é autora do livro “ Recomeçar: o sistema carcerário e a necessidade de (se) transformar (n) o país imutável”


De acordo com o autor K. C. Spinelli citado na dissertação “Dois povos e uma cultura”, os japoneses se preocupavam com sua honra e imagem, por estarem indo para outro país, “ É necessário que todos se encarreguem de não manchar a honra japonesa e o nome de sua pátria. Se não forem capazes de viver condignamente, não pensem em voltar. Tenham vergonha disso e morram por lá”, essa pressão pela honra foi carregada pelos imigrantes e pode ter influenciado na concepção do estereótipo construído e reforçado ao longo de décadas.


Sandra Lie contou que após conseguir lidar melhor com a barreira linguística ela passou por outra dificuldade, “fui aprendendo a lidar com os estereótipos que criavam sobre mim por ser nascida no Japao”.


De acordo, novamente, com a dissertação “Dois povos e uma cultura”, em comparação com outros grupos de imigrantes, os japoneses redefiniram sua posição social através de uma trajetória socioeconômica que pode ser considerada ágil. Mais de 50% das famílias japonesas passaram da condição de colono para a de proprietário em um prazo inferior a 5 anos.


Sabrina acredita que o pensamento nipônico tem questões que não podem ser ignoradas e que também o fato da comunidade japonesa ser vista como uma minoria modelo, é uma questão. “Para mulher nipo-brasileira tem essa grande questão de sermos fofinhos e a gente não é levada a sério por isso e em termos de perspectivas é sobre tratar tudo como a racionalização exagerada. A sociedade japonesa é completamente patriarcal. Em muitas questões sobre a valorização da cultura japonesa existe um certa ingenuidade para a realidade do que realmente é a cultura japonesa, por exemplo, eu não tenho certeza se pode-se resumir uma culinária inteira como saudável ou não, boa ou ruim, já começa por aí”.


Sabrina continua falando sobre como essas questões estão relacionadas tanto às pessoas amarelas, quanto às não amarelas, “no Japão existe um recorte muito mais violento em relação a essa questão de gordofobia é um nível muito mais inaceitável são outros padrões. Existe uma ingenuidade quanto essa questão de ser uma minoria modelo e o que isso verdadeiramente significa. Muito dessa idealização do que é a cultura japonesa não parte da gente, não vem da comunidade amarela, é muito desta interpretação branca que não é factível com a realidade. Então é uma questão interna e é uma questão externa. Eu vejo muito desses dois movimentos".


“Eu falo sobre questões raciais quando eu falo sobre ancestralidade porque uma coisa está inegavelmente ligada a outra”
Sabrina Akemi






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